Desconexão digital como resolução de ano novo

Se você sente que precisa reduzir seu tempo de tela, dar um tempo das redes sociais, lembre-se: assim como acontece com qualquer outra dependência, o vínculo não será rompido de uma hora para outra.

Um novo ano que se inicia é sempre uma oportunidade de recomeçar. Pelo menos em muitas culturas ocidentais, janeiro é o mês de renovação, esperança e até mesmo de um pouco de superstição, já que o ano novo traz a sensação de mudança e uma nova chance de começar algo diferente. E nesse recomeço surgem todos os tipos de promessas. Há quem deseje parar de fumar, quem comece uma atividade física, outros que decidam aprender um novo idioma, adquirir hábitos alimentares saudáveis ou até iniciar um novo hobby. Vamos combinar: um novo ano é sempre algo bom.

De uns tempos para cá, tenho notado um número crescente de pessoas anunciando que vão se afastar um pouco das redes sociais como resolução de ano novo. Isso mesmo, a promessa é ficar offline para se “desintoxicar”. De fato, a expressão Digital Detox passou a fazer parte do nosso vocabulário e das práticas individuais. Tanto que se tornou cada vez mais comum ver influenciadores desaparecerem de repente e reaparecerem dias depois relatando os benefícios de ficar offline.

No entanto, ao voltarem de suas experiências de detox, a atividade online aumenta, em muitos casos, com uma intensidade ainda maior que antes. Um exemplo é a influenciadora Maíra Cardi, que justificou seu sumiço dizendo que “a Internet é assustadora”. Contudo, ao retornar ao Instagram, ficou evidente o rebranding de sua marca pessoal.

Muitas pesquisas têm buscado compreender esse fenômeno, especialmente em culturas hiperconectadas. Alguns estudos apontam para uma dependência das tecnologias digitais tão forte, que já não conseguimos ficar sem o smartphone à mão. Com essa necessidade de desintoxicação digital, um mercado específico tem crescido significativamente.

Há quem pague entre 2 mil e 10 mil euros (R$ 12,5 mil a R$ 62,5 mil) por alguns dias offline, em locais isolados, sem acesso à Internet. É quase como se buscassem curar-se de um vício. De fato, a dependência tecnológica é apontada como prejudicial para um número significativo de pessoas, e já há debates públicos no campo da saúde mental sobre os efeitos psicológicos de passar muitas horas online diariamente.

Por outro lado, práticas de desconexão não são tão simples ou baseadas apenas na força de vontade ou em uma decisão individual consciente. Assim como todos os aspectos da nossa vida digital, até mesmo desconectar-se é influenciado por uma série de fatores sociais, emocionais e até econômicos.

O projeto On&Off – Atmosferas de Des/Conexão, realizado pelo Centro de Investigação em Comunicação Aplicada, Cultura e Novas Tecnologias da Universidade Lusófona, e financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, investigou as dinâmicas de uso e não-uso dos meios digitais entre quatro grupos: peregrinos, famílias, ativistas e pessoas em luto. A equipe de pesquisa se dedicou ao longo de 2023 e 2024 a compreender as dimensões afetivas da des/conectividade em Portugal. Os resultados preliminares apontam para ambivalências e contradições nas práticas adotadas pelas pessoas nesses microambientes.

Por exemplo, enquanto pessoas em luto frequentemente desconectam-se de seus perfis e evitam interações online, elas também navegam em ambientes digitais específicos em busca de conteúdos e interações que as ajudem a compreender a experiência pela qual estão passando. Por outro lado, as normas entre peregrinos indicam que a participação na peregrinação implica comungar um espaço e tempo sem interrupções de meios digitais, para permitir maior introspeção; no entanto, recorrem aos smartphones para registrar fotografias que possam partilhar mais tarde com outros ou para sua memória.

Para Ana Jorge, coordenadora do projeto, “os vários estudos do On&Off revelam como as pessoas combinam o recurso aos meios digitais, em particular, a redes sociais, para planejar e articular suas práticas, mas também como existem normas e entendimentos específicos sobre quando, onde e para quem os meios devem ficar de fora. Não existe consenso entre cada grupo sobre esses termos, e nota-se mesmo que cada pessoa vai adaptando os seus usos e não-usos dos meios conectados às circunstâncias, atendendo tanto às suas disposições como ao ambiente cultural que se vive num determinado momento, por exemplo, mais ou menos crispado.”

Ou seja, ao contrário do que muitos pensam, assim como a conexão é influenciada pela estrutura das plataformas e pelas combinações algorítmicas que nos levam inconscientemente a passar horas dando scroll no Instagram ou no Tik Tok, o ato de desconectar-se também é influenciado por fatores sociais. Em outras palavras, quando falamos de cultura digital, até as decisões e práticas individuais mais simples são moldadas por fatores externos.

Portanto, se você sente que precisa reduzir seu tempo de tela ou acredita que sua relação com o smartphone não é saudável, lembre-se: assim como acontece com qualquer outra dependência, o vínculo não será rompido de uma hora para outra. Pensar que você pode fazer isso de forma automática pode ser frustrante.

Vá aos poucos definindo horários para acessar suas redes sociais, controlando o tempo e, principalmente, renegociando com a sua rede normas sobre disponibilidade. Reflita sobre o motivo pelo qual deseja passar mais tempo offline — ou se está apenas seguindo uma tendência das próprias redes sociais.

Como em qualquer relação tóxica, precisamos de consciência para conseguir sair dela. A diferença é que, enquanto uma relação tóxica geralmente envolve outra pessoa, aqui estamos falando de dispositivos eletrônicos. Ainda bem que, pelo menos por enquanto, nós ainda temos alguma autonomia, não é?

Feliz ano-novo!