Filme Barulho da Noite abre a mostra principal do 16º FESTin

Primeiro longa-metragem da tocantinense Eva Pereira será exibido nesta segunda-feira (02/06), em Lisboa. Obra trata de fragilidade familiar, abuso sexual e invisibilidade feminina.

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Marcos Palmeira e Emanuelle Araújo interpretam o casal principal do filme "Barulho da Noite", que abre a 16ª edição do FESTin Emerson Silva/ Divulgação
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O longa-metragem Barulho da Noite, da diretora Eva Pereira, nascida no Tocantins, abre nesta segunda-feira (02/06), a mostra principal competitiva de filmes do 16º Festival Itinerante de Cinema de Língua Portuguesa (FESTin), em Lisboa. O evento vai até domingo (8) e conta com rodadas de negócios sobre cinema, natureza, audiovisual e obras para crianças e idosos, entre outras atividades. O filme começa às 20h, no Cinema City do Campo Pequeno.

A obra, filmada no sertão do estado do Tocantins em 2023, toca em temas como abuso sexual, invisibilidade feminina, violência e fragilidade familiar. O filme conta a história de Sônia e Agenor, interpretados por Emanuelle Araújo e Marcos Palmeira. Ele é um agricultor que adora as duas filhas, Maria Luiza e Ritinha, e é muito apegado à fé, sendo devoto do Divino Espírito Santo, festa que o levará para longe de casa por 40 dias. Ela, por sua vez, traz marcas de um passado doloroso, em que sufocou dores da infância.

No decorrer da trama, chega à família Athayde (Patrick Sampaio), um suposto sobrinho de Agenor, como ajudante de roça. Se a relação do casal já não era das melhores, pois Sônia se sente negligenciada pelo marido, com o terceiro elemento, o quadro se agrava. Athayde e Sônia desenvolvem uma relação entre o obscuro e o perturbador e uma das filhas, Maria Luiza, de 7 anos, desenvolve sentimentos como o medo, por perceber a mudança na atmosfera dentro de casa, com a presença de um estranho.

“Um caso de violência contra mulher no estado do Tocantins me arrebatou para o filme. Costumo dizer que Barulho da Noite é um rapto, pois comecei uma pesquisa, que eu nem entendia que era uma pesquisa, e fui atrás de mais casos. Foi difícil fazer com que essas mulheres, e também meninas, falassem", conta Eva. "Olhar para elas, saber que carregavam aquela dor e elas ainda negarem essa dor, foi duro. Por isso, se chama Barulho da Noite, porque me tirou o sono. Foi um processo de 20 anos entre a pesquisa e o lançamento do filme”, acrescenta ela, também uma das produtoras da película.

Os Brasis que emergem do Brasil

O filme apresenta um olhar de dentro para fora e, por isso, muitas vezes pulsa em formato de um sentimento cortante. "Um grito ensurdecedor, em forma de silêncio", diz Eva, ressaltando que o cinema brasileiro atual está revelando muitos Brasis que estão emergindo, não mais restritos a apenas uma cidade ou região. “Nada supera o que é falar de uma dor, de quem entende, acolhe e fortalece. Essa história foi o grande chamado para que eu saísse de estágio de produção para assistente de direção e me tornasse diretora”, frisa.

Marcos Palmeira faz o personagem Agenor em Barulho da Noite Emerson Silva
Emanuelle Araújo interpreta a dona de casa Sônia Emerson Silva
O personagem Agenor e as duas filhas no filme Barulho da Noite Emerson Silva
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Marcos Palmeira faz o personagem Agenor em Barulho da Noite Emerson Silva

As filmagens aconteceram, em boa parte à noite, nas madrugadas. "Muitas vezes, às 4h da manhã, as crianças da comunidade local acordavam para fazer cenas e demonstravam muito amor pela arte, pois não estavam acostumadas com câmeras, ensaios e tomadas", ressalta a diretora. "A história de violência contra a mulher, que, no filme, é retratada em uma cidade do interior do Brasil, dialoga com o universal, pois acontece todos os dias, em várias partes do mundo, infelizmente", emenda.

Eva destaca que o elenco foi uma verdadeira "grande família", em alusão, especialmente, ao ator Tonico Pereira, que interpretou o personagem Mendonça no humorístico televisivo com esse nome. Pereira é famoso por dar vida a outra figura icônica da telinha, o Zé Carneiro do Sítio do Pica-pau Amarelo. Em Barulho da Noite, ele interpreta o caixeiro-viajante Chico Mascate. “O Tonico tem uma percepção que não precisa de texto. Ele entende o que é e a essência do personagem e traz tanta coisa boa. Tudo fica maior com a presença dele”, diz.

Quanto a Marcos Palmeira e Emanuelle Araújo, a diretora também é só elogios. "Leveza, generosidade, alto astral e talento", resume sobre o casal principal da trama. “Quando o Marquinhos chegou ao set de filmagem, as meninas que interpretariam as filhas dele correram aos gritos 'papai, papai'. Desde o começo, foi uma festa. E a Emanuelle? Ela é solar, tem muita luz e trouxe essa luz para o set de filmagem. Fez uma mulher sofrida, porém, com a luz do sol que ela carrega. Foi lindo”, assinala Eva.

Prêmios internacionais

Para dar mais realismo a uma história tão pesada, a produção utilizou, em alguns aspectos, recursos bem caseiros. A fotografia fez uso de lamparinas para atingir o tom de luz ideal. E os áudios noturnos, num remoto Cerrado brasileiro, foram captados para dar mais autenticidade ao som e reproduzir a atmosfera rural.

O filme já ganhou prêmios no Brazilian Film Festival, em Los Angeles, e também no Inffinito Film Festival de Miami, ambos nos Estados Unidos.